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Existe um fio que não se rompe
15/4/2014

 

Viver, tecer laços afetivos, espiralar o fio da memória para que a existência seja menos a ânsia de um constante porvir, e mais uma tessitura de muitos entretempos. O fio que em seu desenrolar perfaz a história sensível do tempo tramado com nossos desejos, com a busca de imagens que nos desenhem, com os símbolos que eregimos no torvelinho do tempo. 

Para tanto é preciso, mais que viver a vida, tecê-la. Tecer a vida implica em perceber, como nos mostra Del Pilar Sallum, que "existe um fio que não se rompe" no nosso âmago, no fogo-fátuo da nossa existência no Cosmos. 

O fio conduzido pelas mãos e sensibilidade de Del Pilar têm o dom de conjugar contrários, unir díspares, amalgamar naturezas diversas como numa ode à convivência e à dialética. O latão se conforma na semente: ao mesmo tempo em que sensualmente as veste, também as esteriliza. Mas a vida é, em grande medida, a crença nos símbolos. E dessa comunhão de materiais surge, ao infinito, a contundência da forma que a tudo germina. Poética de paradoxos. Entre o perene - o escultórico - e a falência inexorável do organismo - a semente - reside a pulsação da vida, o fio que não se rompe. 

Na mitologia Grega, o fio de Ariadne guia Teseu para que ele consiga entrar e sair do labirinto, numa jornada interior de autoconhecimento. O minotauro que habita o labirinto, mais que um monstro, é na verdade metáfora dos medos, dúvidas e temores que nos assolam. 

Del Pilar percebe o prolongamento do fio de Ariadne nas dobraduras do "fluxo constante" do lençol da cama, nos soluços de seus "momentos descontínuos" e no "tempo imanente" de seus desenhos que ousam ocupar todos os espaços com voracidade. 

Quando a artista recupera as rendas das roupas de várias mulheres que a sucederam em sua linhagem familiar, constrói um labirinto de nostalgias e referências no qual encontrará um potente caminho de autoconhecimento. Percurso autorreferente do qual nos restam vestígios intensos mimetizados, e aqui universalizados, nessas imagens complexas e delicadas que fundem fotografias com desenho. 

Das rendas tecidas outrora, agora se justapõem linhas de um "desenho intrusivo" meticuloso, sedutor em seus descaminhos, obsessivo na sua criação impulsiva e expansiva. A renda, vertida em fotografias, se prolonga imaginariamente por meio dos desenhos até o tempo presente. Suas tramas não mais acompanham as regras de um manual de artesão. Ativadas a partir dos labirintos internos da artista, elas reivindicam seu tempo-espaço redimensionado por essa família-fio. Aquilo que não se rompe em nós segue, na poética, emitindo seus sinais alheio ao tempo cronológico que a tudo consome. Só as obras de arte podem tocar a ideia do sagrado e dar contornos, ainda que inapelavelmente imprecisos, aos nossos devaneios de eternidade. 

Eder Chiodetto 

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